Opinião

A cidade a pé

23/09/2021

O movimento da deriva, ou do caminhar a pé pela cidade, surgiu no final da década de 50, na França, pelo grupo denominado Situacionistas, liderado pelo escritor Guy Debord. Esse movimento pretendia, segundo Debord, criar uma técnica de apreender as ambiências urbanas e ser afetado pelo caminhar. Anos mais tarde, o arquiteto italiano Francesco Careri em seu livro clássico Walkscapes, retoma os conceitos iniciais da deriva e coloca em prática no curso de Arquitetura o caminhar como forma de “ação capaz de diminuir o nível de medo e de desmascarar a construção midiática de insegurança”. Careri fala sobre a importância de planejadores urbanos conhecer a cidade caminhando, experimentando-a, conversando com amigos em um parque ou pedindo informações a um transeunte qualquer na rua.


Esta prática metodológica de caminhar nos desperta para a reflexão da escala humana junto à cidade; às edificações, às ruas e os espaços públicos. O olhar humano não pode ser comparado a imagens de satélite ou aos mapas computadorizados. A cidade está junto às pessoas, nas ruas e nos espaços públicos.

Este ponto de vista é de fundamental reflexão quando ensinamos alunos a planejar cidades ou construir edificações. Precisamos entender quem são os atores urbanos.


Há atores que muitas vezes são invisíveis aos olhos da sociedade e atuam independentemente do padrão social preestabelecido, nas brechas, nos vazios ou nas “entrelinhas” urbanas. Há aqueles informais que cultuam o meio social urbano, ajudam na manutenção, cultuam hortas em terrenos abandonados ou constroem um banco no canteiro da calçada. Há aqueles usuários em transição, que cortam caminho pela ferrovia em desuso ou vendem suas mercadorias embaixo das marquises. E há também os marginalizados, usuários de drogas, prostitutas ou pessoas em situação de rua que vivenciam todos os espaços esquecidos em busca de proteção ou abrigo. Esta informalidade do uso urbano escapa veementemente do olhar dos planejadores e só é percebido no caminhar, descobrindo as brechas e os vazios das nossas cidades. A informalidade é a energia dos corpos em movimento no contexto duro das edificações urbanas.


Retomar os ideais do caminhar como prática de conhecimento é fundamental para entender a informalidade e necessário para que a cidade nos afete e assim possamos produzir planejadores de cidades inclusivas e de como elas sempre deveriam ser, de uso coletivo.


Autor (a):
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Alfredo Zaia Nogueira Ramos

Mestre em Teoria e História da Arquitetura, doutorando em Teoria da Arquitetura e professor do curso de Arquitetura e Urbanismo da Toledo Prudente Centro Universitário.