Opinião
É melhor ter uma barraca de limonada ou a azulzinha? Qual a validade de pesquisas em tempos de crise?
19/05/2020
Responda rápido: é melhor ser empregado ou autônomo?
"Pra" começo de conversa, eu mesmo nunca participei de nenhuma pesquisa de opinião. Nunca ligaram para mim para "fazer uma pesquisa".
Já por esse motivo sempre tive, e tenho, um certo "pé atrás" com essas pesquisas de institutos via telefone.
Outro motivo para suspeitar destas pesquisas se refere à relação existente entre o objeto da pesquisa e o momento em que é feita, que pode ou não condicionar determinado tipo de resposta do felizardo "pesquisado".
Estamos em maio de 2020 e não tenho ouvido ou lido qualquer notícia de que algum instituto esteja fazendo ou por fazer pesquisa com a seguinte pergunta: "Você prefere ser empregado ou autônomo?".
Você leitor pode perguntar: mas Fernando, por que você está 'levantando essa bola' neste momento?
Porque essa pergunta foi feita, e várias vezes, em várias pesquisas em 2017, ano da "reforma trabalhista" (aquela, que nunca acaba...), e várias delas apontaram - e algumas com o chamado "pela primeira vez!" - que o brasileiro preferiria trabalhar como autônomo ao invés de empregado.
Naquele momento já fiquei intrigado porque eu me perguntava: mas será que essas respostas são espontâneas ou derivadas do altíssimo desemprego e desalento?
Infelizmente as pesquisas não apontavam o motivo das respostas, e também não sei se até hoje foi realizado algum estudo sociológico sobre esta aparente mudança de desejo do trabalhador (veja, em sentido amplo, nem empregado, nem autônomo) brasileiro.
Em 2017, precisamente em fevereiro, a taxa de desemprego foi recorde no país desde que começou a ser aferido o índice (série histórica) pelo IBGE em 2012, tendo alcançado 13,2%, o equivalente a 13,5 milhões de pessoas desocupadas, momento em que a taxa de ocupação também foi a menor da "série" e em que o número de "desalentados" bateu recorde (4,3 milhões).
Em meio a estes fatores muitos brasileiros (menos eu) foram consultados e muitos responderam que prefeririam ser autônomos - sem direitos trabalhistas - para que pudessem alcançar a então sonhada "independência", o que me levou a outro questionamento: "puxa, será que o brasileiro em geral não quer mais a 'segurança' do emprego e seus direitos trabalhistas?".
Lembro bem de renomado filósofo que quando foi entrevistado na época argumentou, referindo-se aos autônomos : "Alguém já viu americano querer vir para o Brasil para ter direitos trabalhistas?".
O negócio então, amparado pelo verbo da época, era "empreender", o que ficou demonstrado em pesquisa elaborada pela MindMiners, encomendada pelo PayPal, que apontou que 66% dos brasileiros queriam "abrir o próprio negócio", ou seja, tudo levava a crer que da noite para o dia 2/3 dos brasileiros trocariam a famosa carteira azul (CTPS – “azulzinha”) por uma "barraca de limonada"*.
Mais de dois anos se passaram, a taxa de desemprego caiu muito pouco e o número de trabalhadores informais e "empreendedores" aumentou, o que comprova que a alteração da legislação trabalhista não faria e não fez milagre e que o discurso de que era necessária uma profunda alteração no ordenamento jurídico trabalhista era mentiroso.
E hoje, como estamos com relação ao desemprego e ao empreendedorismo? Em recentíssima (trimestre de fevereiro a abril) notícia aponta-se 13,6% a taxa de desemprego e a queda também da ocupação, ou seja, um retorno da alta taxa de desemprego. E em outra aponta-se também aumento de trabalhadores "por conta própria" formais (com CNPJ) e informais, notícia a qual tem no sub-título "Empreendedorismo de necessidade".
Considerando estes fatores agora, de hoje, considerando a pandemia do Coronavírus, considerando que a grande maioria dos empregados está trabalhando e recebendo salário normalmente, considerando os mais de 2 milhões de acordos firmados para redução de salário ou suspensão de contrato (mas com benefício recebido do governo pelo empregado, manutenção dos benefícios pelo empregador, estabilidade no retorno da jornada ou do contrato, além das verbas rescisórias e seguro-desemprego em caso de dispensa), considerando que a pandemia ainda deve perdurar por meses ou anos, e considerando os R$600,00 a serem pagos aos "autônomos empreendedores", eu realmente gostaria - pois tenho uma curiosidade enorme em conhecer as respostas - que as mesmas pesquisas, a mesma pergunta fosse feita neste momento.
Enquanto estas pesquisas não saem, eu é que pesquiso e te pergunto: e aí, vai uma limonada?
*Nos EUA, como podemos ver em filmes, a barraca de limonada feita pelo pai para o filho vender suco na frente de casa ainda criança é símbolo do empreendedorismo.
Autor (a):
Fernando Batistuzo
Professor do curso de Direito da Toledo Prudente Centro Universitário